Uma vez, sonhei que morria. Uma convulsão, a
reprise de outra situação. Dessa vez, não conseguia voltar, me chamavam, como
antes havia acontecido, mas eu não conseguia abrir os olhos. Demorei a
acordar e acreditar que não estava morta. Também não estava no hospital. Não havia tubos, aparelhos,
máscaras de oxigênio, catéter, sonda... Chorei em silêncio.
Schopenhauer disse
que vivemos com leveza porque escalamos uma montanha sem saber o que
encontraremos do outro lado, mas se enfrentarmos a morte e escaparmos dela, jamais subiremos a montanha do mesmo jeito. Lembro isso, não para causar pena,
para que me olhem com os grandes olhos da piedade. Lembro porque é isso mesmo.
Não se sobe a montanha da mesma maneira.
Houve um tempo que não queria mesmo subir para
lugar algum. Na verdade, se pudesse teria rolado montanha abaixo, mas não
rolei. Havia a promessa: "Não vou deixar você só! Não se preocupe!"
Acho que foi a promessa, mas não gosto de atribuir tanta nobreza ao meu ser.
Houve um tempo em que pensei: "Maldita promessa! Não há porque continuar!"
Permaneci então sentada na montanha, parada, encolhida. Hoje penso na montanha. A grandiosa montanha não tinha
mesmo, àquela época, a menor graça.
Outra imagem constante era a de um furacão. Passei muito tempo no olho do furacão, vendo tudo pelos ares, estilhaçando-se, sentindo-me
também arrebentar, partir em pedacinhos. Tragada pelo furacão, tudo rodava,
cacos e destroços rodavam; eu, aos pedaços, rodava.
Fui juntando os pedacinhos, mas o furacão
continuava. A diferença é que, depois de um tempo, galguei suas tão reais
imaginárias paredes e fiquei ali, mal remendada, sentada na borda, vendo os
destroços a girar e girar. Assim permaneci. Entendo os que tiveram dificuldades
de olhar para aquele furacão, mas não aqueles que fugiram. Desses, já tive
muita mágoa. Hoje tenho muita pena. Admiro imensamente, no entanto, os que
ficaram por perto e esses seguem comigo.
O que pude, recuperei, colei,
remontei. O que não tinha mais jeito, aos poucos, fui deixando seguir no
furacão. Criei outras novas estruturas, diferentes, outros sonhos, outros
ideais. Quem não estava lá, quem depois não me buscou, não sabe quem eu sou,
não me conhece mais.
Ouvi inúmeras coisas, muitos absurdos,
que a tragédia me faria melhor; que Deus tinha um propósito, que eu o veria lá
na frente; que eu aprenderia com isso e poderia servir de instrumento na
vida dos outros; comentários ingênuos, bem intencionados, mas também cruéis. Sempre tive vontade de perguntar a essas pessoas tão pias por
que não pediam todos os dias por algo semelhante na vida delas. Tão bom ser
instrumento, não? Outras criaturas contavam casos semelhantes, suas próprias
vivências, terminando a conversa da seguinte maneira: - Mas Deus foi bom pra
mim!
Uma vez, uma moça me disse, condoída: “Poxa, como isso foi acontecer...” E
depois de um tempo em silêncio: “Mas vocês são tão legais...” Ela ficou em
silêncio, procurando, buscando o que poderia ter de errado, ou de ruim, comigo, com meu marido, para que uma tragédia daquelas tivesse acontecido. Na sua
lógica, estávamos sendo punidos por algo e, por isso, Deus não tinha sido bom
para nós. Hoje tenho mais paciência com essas conversas e pessoas, sei que a intenção, irrefletida, pode ser boa, mas isso é, certamente, por que não estou mais no olho do furacão. Só por isso!
Lembro que algo que de fato me ajudou foi uma frase em um livro budista que dizia simplesmente: "O sofrimento faz parte da vida." Acredito realmente que aprendi algumas coisas,
mas não sou agradecida à tragédia que me sucedeu. Poderia tranquilamente viver
sem todo esse aprendizado, em uma feliz ignorância. Egoisticamente, não me
incomodaria de tê-lo visto dividido com umas vinte outras pessoas, para que minha
dose fosse menor. Poderia, perfeitamente, continuar acreditando na enormidade dos
pequenos problemas. No entanto, não me foi dada essa alternativa.
Entendi minhas opções, então, da seguinte
maneira, sem nenhuma transcendência, ou beleza espiritual, na dor. Uma vez no
fundo do poço, na merda, a pessoa tem duas possibilidades: Ou se ergue, e sai de
lá, ou chafurda na bosta para todo o sempre, amém! Com imensa dificuldade e grande
esforço, apoiada por quem me ama, apesar de tudo, e me agarrando a recursos
antigos e novos, fui saindo, fui me erguendo e fui vivendo; buscando vida, luz,
beleza, alegria.
Hoje, contemplo meu furacão à distância, observo o seu movimento,
a sua sombra. Esquecer a sombra, significaria fechar os olhos aos que sofrem
todos os dias, aos que partem, aos que ficam e choram. Não desejo isso para
mim! Também não quero para os outros o sofrimento na solidão. Não há maior escuridão do que sofrer na solidão.
Sinto isto qdo em inumeras vezes estava mal, e uma, duas, trés, quatro mãos e patas me ajudaram, a sair da solidão e meajudar a subir a montanha...Hoje a montanha não possue tantas flores como antes, as flores que não estam mais lá, agora se encontram no jardim de Deus.
ReplyDeleteÉ bom encontrarmos eco para os nossos sentimentos, não é mesmo?
DeleteBom saber que você não está sozinho
DeleteA dor compartilhada não diminui, mas fica mais suportável... Sinta-se acarinhada!
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