Skip to main content

Posts

Showing posts from November, 2013

Furacão

Uma vez, sonhei que morria. Uma convulsão, a reprise de outra situação. Dessa vez, não conseguia voltar, me chamavam, como antes havia acontecido, mas eu não conseguia abrir os olhos.  Demorei a acordar e acreditar que não estava morta. Também não estava no hospital. Não havia tubos, aparelhos, máscaras de oxigênio, catéter, sonda... Chorei em silêncio.  Schopenhauer disse que vivemos com leveza porque escalamos uma montanha sem saber o que encontraremos do outro lado, mas se enfrentarmos a morte e escaparmos dela, jamais subiremos a montanha do mesmo jeito. Lembro isso, não para causar pena, para que me olhem com os grandes olhos da piedade. Lembro porque é isso mesmo. Não se sobe a montanha da mesma maneira. Houve um tempo que não queria mesmo subir para lugar algum. Na verdade, se pudesse teria rolado montanha abaixo, mas não rolei. Havia a promessa: "Não vou deixar você só! Não se preocupe!" Acho que foi a promessa, mas não gosto de atribuir tanta nobreza a

No Azul II - variações sobre um mesmo tema

O zunido do impulso na água,  as bolhas que se formam,  com as braçadas, acompanhando os contornos  do corpo,  explodindo em mil pequenos  borbulhantes sons,   delicadamente  interrompendo a quietude, o silêncio.  O corpo alongado alcançando o infinito,  O azul que envolve o corpo,  envolve a alma,  sutilmente invade,  gentilmente acolhe. A água,  que cura, que acalma. De onde viemos,  Para a qual voltamos. Nada mais importa,  a não ser a água. Nada é maior do que a água.

Para meu amigo

Querido amigo, espero que saiba que é amado, que sinto sua falta. Espero que não sinta dor e que não tenha medo. Espero que possa perdoar minha ausência e minha incompetência, minha inabilidade de encontrá-lo a tempo.  Saiba que o perdoei por perder a fita pirata da banda que nem existe mais.  Gostaria que pudéssemos, para sempre, falar dessa fita. Gostaria que continuássemos a partilhar nossos sonhos, a tomar uma cervejinha, a dançar e a contar piadas. Meu querido amigo, gostaria de ter sabido, de ter estado mais perto. Gostaria de ter lhe apoiado e de que ainda houvesse tempo para ganhar a confiança da sua família, dos seus filhos. Gostaria que me chamassem de tia e que eu os ajudasse a crescer. Gostaria que conhecesse minhas filhas e que risse com elas. Sei que o faria! Gostaria que tivéssemos nos encontrado novamente e falado sobre a vida, sobre o quanto crescemos e como tudo acabou sendo tão diferente. Gostaria que tivéssemos rido disso e que tivéssemos percebido que estávamos bem

To my friend

Dear friend, I hope  you know you're loved. Hope you know you're missed. Hope you're not in pain and you're not afraid.  Hope you can forgive my absence and my incompetence, my inability to find you in time.  Know that I forgave you for having lost  the demo tape of that band that doesn't exist  anymore. I wish we could keep forever talking about that tape.  I wish we could keep on sharing dreams, and having drinks, and dancing, and telling jokes. My dear friend, I wish I had known. I wish I'd been closer. I wish I had been there for you and that there was still time to earn the confidence of your family, of your kids. I wish they'd call me auntie and that I could help them grow. I wish you could meet my kids and laugh with them. I know you would. I wish we could have met again and talked about life, about how grown up we are now and how different everything turned out to be. I wish we could have laughed and just known we were all right.  But it's late,

Certos dias

Tem dias que, para sentir-se vivo, é preciso saltar de paraquedas, correr uma maratona, atravessar o canal da Mancha a nado, escalar uma montanha. Tem dias que, para sentir-se vivo, não é possível apenas acordar, tomar café, ler, pensar. É preciso ir ao Japão, à Índia, à Indonésia, sozinho!   É preciso perder-se nas ruas, ouvir a língua estranha. É preciso não entender. Sentir-se pequeno, insignificante, em um templo gigantesco. É preciso quase sumir. É preciso não saber se vai voltar. Em alguns dias, a claridade do sol, a pequenez do dia a dia, não traz vida, não é suficiente. Tem dias que nenhum sorriso, nenhuma palavra, nenhuma cor apaga a mácula da dor, da perda, da separação. Não há distração suficiente, não há projeto que faça sentido, não há empenho que, nesses dias, valha a pena. Toma-se conta dos projetos, empenha-se, mesmo assim. Investem-se energias, cumprem-se obrigações, doam-se carinhos, buscam-se forças, mesmo assim. Há dias em que é preciso, no entanto, na impos