Quando tinha uns sete anos, a família se mudou para uma casa com piscina. Ponderaram que seria importante que aprendesse a nadar. Ouviam, vez por outra, tristes histórias de crianças que se afogavam nos quintais de suas próprias casas e se perguntavam como sobreviver a uma tragédia dessas. Como na tradicional divisão de tarefas, a mãe se comprometeu a levá-la e buscá-la nas aulas. Não que fosse uma dona de casa profissional, exclusivamente dedicada aos duros afazeres do lar e da família. Na verdade, era uma profissional respeitada, mas como mulher de sua geração, acumulava responsabilidades e ainda lhe cabiam os malabarismos dos cuidados da casa, dos filhos e da carreira. Conseguiu um horário no fim da tarde. Saía do trabalho um pouco mais cedo, corria em casa, buscava a menina e levava para as aulas.
Não pensem hoje, as mães que levam seus bebês e crianças às aulas de natação, que havia alguma abordagem especial nas aulas ou equipamentos específicos, como as plataformas que permitem às crianças pequenas que apoiem seus pézinhos sem se preocuparem com a profundidade da piscina. As aulas consistiam basicamente em pernadas e braçadas em uma piscina de vinte e cinco metros com o auxílio, ocasional, de uma prancha.
Passado um mês de aulas, a menina dava seus mergulhinhos e estava se desenvolvendo, não como as colegas propensas ao atletismo, mas caminhava, ou melhor nadava, em seu próprio ritmo. A professora resolveu então que já era tempo de ousar um pouco, de criar um desafio. Talvez ela própria já estivesse entediada de ver aquelas crianças fazendo as mesmas coisas. Assim, sem pranchas e sem apoio, a turma seguiu para a travessia da piscina, o esforço das braçadas e pernadas, desconjuntadas ainda, resultou na sensação de litros e litros de água engolida e a decisão: "Não volto nunca mais!"
Uma decisão assim aos sete anos, embora poderosa em sua intenção, pode enfrentar muitos obstáculos. A mãe interpretou, com certa sabedoria, que se a menina não enfrentasse ali seu medo, realmente corria o risco de passar a vida com medo da água. Ouviu a reclamação da filha, o choro e a declaração de que "entrou água por todos os buracos" e que não adiantava que não ia passar por aquilo de novo.
No dia da aula, esclareceu que não tinha jeito, falaria com a professora, pediria que tivesse mais cuidado, mas a menina tinha que ir. A roupa foi trocada meio a contragosto, mas na hora de sair, a garota apelou para uma medida desesperada. Já praticamente arrastada até o carro, atracou-se à maçaneta do carro do pai, que estava em viagem de trabalho. A lembrança infantil daquele momento é de ter cada dedinho retirado da garra que formou atracando-se à porta, um por um. Carregada aos berros pela mãe, seguiram por vinte longos minutos pelas ruas tranquilas da Brasília da época, do Lago Norte até a 612 sul. A mãe deve ter ouvido choros e súplicas o caminho inteiro.
Vencida pelo cansaço, observou a conversa da mãe com a professora, resignou-se e entrou na piscina. Seis meses depois, resolveu que realmente não queria mais aquelas aulas, mas já não corria o risco de afogar-se e os pais que, modernos para a época, davam certa liberdade de decisão aos filhos, acataram a decisão.
Anos depois, um acidente de carro a deixou com o braço imobilizado por meses e a moça, sedentária desde a infeliz experiência na água e décadas de frustrações em aulas de educação física, em que ou se era excelente ou não se era ninguém, repensou. Repensou o corpo, o movimento, a importância de honrar o corpo que pode se mexer e tudo o que ele, dentro de seus próprios limites, pode alcançar. Precisava de uma atividade que ajudasse a recuperar a força e o movimento do braço sem que sofresse muito impacto. Voltou à piscina.
Mais de vinte anos haviam se passado. Já não corria o risco de afogar-se, a água atingia a cintura. Na aula da Universidade, os alunos foram separados em diferentes turmas. A sua, turma A - de afogados. Divertiam-se todos com a possibilidade de juntos enfrentarem o medo e a limitação que em outros eventos sociais poderia causar-hes vergonha. Ali, juntos, os afogados se apóiavam e comemoravam as pequenas grandes conquistas, os mergulhos sem tampar o nariz, as primeiras braçadas e pernadas, a travessia da piscina, mesmo que na largura e não no comprimento. Nesse grupo solidário e motivado, na piscina de água fria, fez as pazes com a água e nunca mais a deixou.
Hoje, se pergunta o que diria sua mãe, sua amiga, já falecida, se soubesse que participou de uma competição de natação. O que acharia, se soubesse que enfrentando o medo, saltou do bloco na borda e chegou ao outro lado da piscina olímpica. Quase morta, é verdade, mas chegou. Aprendeu a saltar do bloco uma semana antes, também é verdade, mas foi! Provavelmente, se divertiria e relembraria o longo trajeto que fizera anos atrás ouvindo o choro e as reclamações.
Teria que contar que quase desistiu de ir e que ao comentar que mal tinha aprendido a saltar e que nem sabia porque inventavam de colocá-la nessas coisas, a filha de sete anos, nadadora desde bebê, perguntou porque só estava aprendendo isso agora. Explicou o episódio da infância e que quando criança desistia muito rápido, ao que a menina retrucou: "Ah, por isso você quer desistir agora, né?". Vestiu o maiô, o roupão, pegou a toalha e foi! Nadou pela criança que engoliu água na piscina, pela mãe que ouviu o choro no caminho e pela filha que não desiste tão fácil e ainda tem tanto para ver e aprender.
Adorei seu texto! Muito sensível! Parabéns!
ReplyDeleteLembro de vc ter me contado sua linda história de vida. E viva a Luisa!
ReplyDeleteTive o privilégio de ouvir esta história da pp autora.
ReplyDeletelindo o seu amor pela natacao. Lindo mesmo.
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