Lavando os copos e
as taças de espumante que deixei para depois, os copos e taças da última
Oficina que coordenei e repousaram ali no fim de semana. Sábado brindávamos o
sentimento bom de criar e compor o mundo, de partilhar e acolher o outro.
Domingo votávamos e hoje lavo os copos e taças do sábado. Enquanto lavo, me
pergunto, como seguirei um trabalho que pretende abrir caminho para a voz de
cada um, a voz única consonante e divergente de cada um em um mundo que só quer
ouvir “Sim, senhor!” Será possível por muito tempo continuar construindo o que
só pôde ser imaginado após as portas se abrirem?
Lavando os copos e
as taças, precisei parar, sentar e aqui colocar para fora o que me vai por
dentro triste. Não quero conviver mais com tanta gente, não quero mais saber o
que tanta gente pensa. Não era assim que vivíamos antes das redes sociais e não
somos obrigados a viver assim. Nos últimos tempos, nos últimos votos, fui
apresentada ao que pensa gente demais, gente educada, simpática, gente
cristã... Gente, essa mesma gente, que não se importa, que olha o buraco do
umbigo e se enfia por lá para justificar todo o horror que apoia, fingindo não
apoiar. Gente que vive a vida como torcida de futebol e que só se importa em
ganhar, e vira tabuleiro, e esperneia e agride, e aceita toda mentira e ódio que
pareça algo que lhe favoreça, mesmo que fira, decepe e mate o filho do seu
vizinho.
Lavo os copos e
taças do brinde ao que é belo e forte, ao que é a busca por conectar-se, ao
estar junto no amor, na dor, e na criação e penso, penso, e sinto, sinto muito.
O que quero para mim? O que preciso para mim no momento? Preciso de ninho e
calma. Preciso de luz e alma. Na rua, sinto a sombra do ódio que circula
disfarçado de normalidade. No que precisar, lá estarei, na rua, no meu
trabalho, apoiando os que continuarem buscando crescer, buscando expressão,
buscando luz e vida, meu trabalho permanece, continua minha missão. Fora isso,
volto-me para dentro, dentro de casa, junto aos meus e ao meu eu mais
verdadeiro. Foi muito da minha energia gritando, como o cientista Semmelweiss
que gritava pelas ruas de Viena implorando para que lavassem as mãos a aqueles
que não enxergavam a possibilidade de infecção e que morriam doentes em suas
vidas contaminadas. Semmelweiss morreu em um asilo, considerado um louco. Muito
da minha energia se foi, nos últimos tempos, pedindo que enxergassem além e, em
uma triste constatação, percebi que mãos ao meu redor foram lavadas de outra
maneira, mãos lavadas no sangue do preconceito, da discriminação, do egoísmo e
do ódio cego.
Não quero viver
envolta no ódio. Não quero nada só para mim. Quero o mundo de alma bela, quero
os que amam de verdade e não só da boca para fora. Preciso recarregar minhas
energias, preciso me nutrir dentro do amor, me recolherei por tempo
indeterminado. Estarei no meu trabalho e na minha casa. Minha casa é também
colo e abrigo para quem busca esse amor. De lá não pretendo sair por um tempo,
retorno ao meu lar, ao meu casulo, ao meu aconchego. Pode ser que eu mude, pode ser que repense,
pode ser que as baterias se recarreguem mais rápido do que imagino, mas agora o
tempo será o tempo que a alma precisar. Agora
volto-me para dentro, observando o caminhar do mundo com pesar, mas ainda com
amor. Cuidarei de mim, da minha ferida, cuidarei dos desolados e decepcionados,
cuidaremos uns dos outros. Continuarei acreditando e se preciso for, volto à
rua, mas por enquanto sou e vivo no interior de mim.
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