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Pão e Cerco

Um rapaz negro e magro, camiseta e bermudas largas, maiores que ele, me vê sentar à mesa da padaria e se aproxima. O grupo com quem anda já havia me abordado na chegada, quando saía do carro. Eu disfarçara o incômodo por trás de uma pressa mais exagerada: "Agora não posso. Depois! Desculpe!" Entrei pensando no risco de encontrar o carro arranhado na volta. "O risco do risco..."

O rapaz que se aproxima pede o que eu já esperava que pedisse, um lanche, para a família, ou pelo menos para filha pequena. A filha pequena. Meu coração encolhe no peito. Prometo comprar algo para a menina quando for pagar a conta e fico aqui, escolhendo mentalmente algo que dure mais, que renda mais, que alimente mais, quem sabe dê para a família toda: um saco de pão, uma bandeja de presunto, uma caixa de leite, talvez...

O dono da padaria chega manso do meu lado. Pergunta se o pedinte me incomodou. Respondo que não. O dono da padaria me informa que esses pedintes andam agora por aqui, e que cheiram cola, e agridem as pessoas, e que a polícia orientou que não se desse nada a eles porque se não nunca vão embora. "Você comprou lanche pra eles?" Respondo que não, entre as imaginárias retaliações, do rapaz que pede e do proprietário que teme e manda no seu estabelecimento. Entendo não ser bom para o seu negócio esses miseráveis espantando a clientela. Eu mesma hesitei em sentar-me à mesa ao  ar livre, minutos antes. Muitos devem ir embora com medo. "Não compre nada pra eles!" reforça o dono em sua autoridade.

Depois de falar comigo, segue em direção ao grupo e lhes diz algo, alguma espécie de ameaça, pois levantam-se e vejo o rapaz passar, buscando a mulher e filha. Sinto que são enxotados por mim, pelo meu bem estar. Quando passa ao meu lado estendo, meio por baixo da mesa, a metade do meu queijo quente e digo: "Dá pra sua filha!" Acho que o dono da padaria viu. Sinto-me ligeiramente constrangida por atrapalhar seu negócio, mas a menina com fome, a menina filha dos cheiradores de cola, a menina sem amparo e sem futuro, fala mais alto. E não é nada. É um meio sanduíche para aquecer por um momento. É uma migalha para quem merecia o pão e a proteção.

Vejo-a passar com seus pais, uma menina marrom, de cabelos desgrenhados e chinelos velhos bem maiores que seus pés. A menina passa comendo meu meio sanduíche. Eu como a metade que me sobrou e fico com a fome pequeno burguesa que me pertence. Meio sanduíche não me foi suficiente. Penso poder aguentar essa minha fome. Não aguento. Peço outro sanduíche. Eu posso. Como o meu sanduíche e meio, pago a conta e vou. 

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