Skip to main content

As pequenas coisas

O caminho é o mesmo, parece. O mesmo! Mas as pequenas coisas, essas mudam a cada dia. Desde que abri os olhos posso ver as pequenas coisas. Não quer dizer que as vejo desde que nasci. Não é isso que estou dizendo! Elas estavam aí, eu sei, mas eu não as via, as pequenas coisas. Eu as vejo agora e foi preciso uma longa jornada, uma longa e difícil travessia, para ver as pequenas coisas pelo caminho. 

Já ando por esse mesmo caminho há um tempo. Já passei por ele antes, em outras ocasiões. Mas   antes eu não via as pequenas coisas. Tenho certeza que já estavam aí e que pisei nelas, esmaguei-as  talvez, até mesmo matei algumas delas, mas eu não as via.   

Minha mãe, creio, quando estava por aqui, via as pequenas coisas e tentava mostrá-las para mim, mas eu não as via. Não havia tempo para as pequenas coisas então. Eu tinha pressa, eu tinha coisas a fazer,  eu tinha raiva, eu corria muito e rápido. Não havia tempo para as pequenas coisas. Ela as encontrava  no alto, geralmente. As árvores, as flores, os passarinhos, os céus... Elas podem estar em todos os lugares. Agora eu sei.
Eu percebo com gratidão o que ela tentou fazer, minha mãe. Mas há um tempo para cada um de nós. E aquele era o tempo dela, não o meu. O tempo dela de ver as pequenas coisas, apreciá-las, saboreá-las. Agora é o meu. Elas não estão no alto, as pequenas coisas que vejo. Eu as encontro pelo chão, espalhadas, simples e belas. 

Foi apenas quando meu coração expandiu-se e eu abri os olhos que pude vê-las por onde passo todos os dias. Elas brilham e iluminam o caminho. São folhas, verdes, novas, marrons, mortas, secas... São sementes e flores, botões, florescendo, murchando, mortos, coloridos, vivos... São formigas, trabalham duro, determinadas, carregam o peso do mundo, diligentes, com sua fé cega...  

Elas me fazem feliz, as pequenas coisas. Mostram-me beleza, delicadeza, impermanência, esperança. O vento as traz, o homem as varre para longe. Elas voltam no dia seguinte. Elas insistem em seu direito de existir.  

Estão aí para todo mundo ver, espalhadas pelo caminho. Você também talvez as veja quando fizer sua jornada, quando atravessar seus portais, quando seu coração se expandir e você abrir os olhos. Você talvez as veja, as pequenas coisas, e que elas lhe tragam felicidade também.  



Comments

Popular posts from this blog

I upset people (This may be the first of a series)

I feel I upset many people. Maybe it is something I do, but the feeling I get is that what upsets them is the way I live, the choices I make. People get upset with me when they hear I don't believe in God. If I tell them that I once did, but have lost my faith after I lost my first child, a premature baby, they fail to grasp the complexity of it. They look at me with irritating condescendent pityful eyes and they think I can be "fixed." To be fair, maybe I fail to help them understand that after what happened to me, God as I came to know it and most people of Christian beliefs do, is of no use to me.  God proved himself either nonexistent or useless to me when my first born died and when I almost followed him due to Eclampsia and Hellp Syndrome (Go ahead and google it! Unless you are doctor or had someone in the family who had this, you will never know it.) He did not save my baby and he did not spare me the excruciating suffering I had to endure. And if you think I...

The child that did not stay

I remember expecting a child that never came, a child I never held in my arms. I remember expecting a child who would have his father's hair, his kind eyes.  He would be curious of the world and I would follow closely all the things he would see with enchanted eyes. Everything would be new for his new eyes. Those were the words of a song about someone else's child, a song I used to listen to while waiting for this child. I remember dreaming of his future, of his smiles. I remember my hopes for him. He did not want me, this child. He did not stay.  He was not interested in the playground in front of the building we live. He was not interested in having my hand holding his while he walked his first steps. He did not care about the flowers, leaves, little dry sticks that fall from the trees in our neighbourhood. He did not want to listen to the slightly out of tune lullabies I was going to sing or the stories I would read at bedtime. He did not even care for the milk, all th...

No espelho

  Olhei hoje para o espelho e me vi mais serena, me enxerguei com mais leveza. Não que esteja de fato mais leve, eu acho. Ou será que estou? Tenho ainda infinitas incertezas e dúvidas aos milhares, mas a imagem que me olhou de volta do espelho, não me olha com tristeza, dor pânico.     A imagem que vejo nesse espelho é de     calma, no olhar certa paz, talvez de se entender humana, imperfeita e aceitar essa condição.     Aqui, deste lado que estou, me observando no espelho, sinto ainda o coração encolher como se uma mão o quisesse esmagar. Encolhe-se para sobreviver e expande-se em seguida. Ao encolher-se, a respiração dá uma pausa e uma bolha de cristal sobe em refluxo, pausando ali no meio da goela. Assim que pode, o coração retorna a seu pulsar, seu ir e vir. Permanecem ali as dúvidas, as exigências, as demandas, mas também os desejos de só ser, irresponsavelmente ser e atender a cada quimera. Porque a vida é curta! A vida é sopro!    E o ...